O lugar do estrangeiro no cristianismo
Na festa da Epifania, voltamos nossos olhos ao estrangeiro, ao imigrante, ao eterno outro
Eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mateus 2, 1-2)
Na festa da Epfania, somos colocados diante de um dos maiores paradoxos do cristianismo, que atravessa todo o evangelho: os outros, os estrangeiros, vão ao encontro de Jesus, enquanto os seus, Herodes e os religiosos de seu tempo, conspiram para matá-lo.
Temos, por exemplo, o episódio de Nazaré, quando questionam o profetismo de Jesus e, diante da acusação de que “nenhum profeta é reconhecido em sua própria terra”, se enfurecem e tentam arremessá-lo da montanha (Lucas 4,16-30).
Ou a mulher de Sidônia, no atual Líbano, que pede a ajuda de Jesus para sua filha, ele o recusa, ela insiste e então a sua fé é reconhecida (Marcos 7,24-30).
Desde o Antigo Testamento, o estrangeiro era protegido pela Lei judaica. O livro do êxodo já lembrava: “não maltratarás o estrangeiro e não o oprimirás, porque foste estrangeiro no Egito” (EXodo 22,21).
Contudo, em nossos tempos, o ódio ao estrangeiro tem se disseminado por todo o mundo. Migrantes são perseguidos por grupos ressentidos da extrema direita. Especialmente contra os pobres. Como lembra a filósofa Adela Cortina, em seu livro Aporofobia:
É certo que as portas se fecham ante os refugiados políticos, ante os imigrantes pobres que não tem a perder mais do que seus grilhões, ante os ciganos que vendem papeis em bairros marginalizados e buscam coisas n os lixos. quando na realidade são tão autoctones de nosso país [Espanha] quanto os não ciganos, ainda que não pertençam à cultura majoritária.
O Brasil se orgulha de ser um país multicultural, aberto aos povos do mundo. Mas mesmo neste país há ódio contra o estrangeiro. Houve um governo que saiu do Pacto de Migração da ONU. Um relatório das Nações Unidas acusou o Brasil de violência e práticas discriminatórias contra imigrantes, especialmente os africanos, vítimas do racismo que brasileiros negam existir mas praticam diariamente:
“Ao desembarcar, alguns [imigrantes africanos] estão confinados em aeroportos brasileiros por tempo indeterminado, mesmo que tenham toda a documentação e outros requisitos necessários para permanecer no país. Após o confinamento, alguns requerentes de asilo são enviados de volta ao seu país de origem, sem avaliação individualizada dos riscos de repulsão pelos funcionários”
O acolhimento ao estrangeiro e ao imigrante faz parte da nossa tradição católica, e nem mesmo influenciadores mais integristas conseguem negar este princípio moral, previsto no Catecismo da Igreja Católica:
As nações mais abastadas devem acolher, tanto quanto possível, o estrangeiro em busca da segurança e dos recursos vitais que não consegue encontrar no seu país de origem. Os poderes públicos devem velar pelo respeito do direito natural que coloca o hóspede sob a proteção daqueles que o recebem.
O Papa Francisco, que desde o seu episcopado na Argentina esteve envolvido na defesa dos direitos dos imigrantes, tem colocado o tema dos refugiados no centro de seu Magistério. Na mensagem para o Dia Mundial do Refugiado, o papa afirma:
A chegada de migrantes e refugiados católicos dá nova energia à vida eclesial das comunidades que os acolhem, pois frequentemente são portadores de dinâmicas revigoradoras e animadores de celebrações cheias de entusiasmo. A partilha de expressões de fé e devoções diversas constitui uma ocasião privilegiada para viver mais plenamente a catolicidade do povo de Deus.
Cabe a nós receber os estrangeiros como a Sagrada Família recebeu os reis magos em Belém, como um presente. Acolhê-los e abrigá-los. Afinal, somos todos estrangeiros neste mundo.