Que tipo de sal da terra é você?
Jesus diz no sermão da montanha: "vós sois o sal da Terra". Mas que tipo de sal? O que faz bem, ou o que faz mal?
“Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos? Ele não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens.” (Mateus 5,13)
Viver em uma sociedade de consumo com tantas opções disponíveis nos coloca em uma perspectiva muito diferente de regimes de produção pré-capitalistas. Se no passado pré-industrial a luta era lidar com a escassez de alimentos, hoje o desafio é o desequilibrio entre a insegurança alimentar versus padrões de dieta pouco saudáveis que promovem uma epidemia de obesidade.
E o sal é um dos produtos que está no centro deste dilema moderno. No passado, quando não havia geladeira e as especiarias disponíveis eram apenas aquelas que o bioma local oferecia, o sal era crucial para manter os alimentos saudáveis por mais tempo. Hoje, o sódio está presente em tantos alimentos ultraprocessados que o consumo está desequilibrado, desencadeando uma epidemia de problemas cardiovasculares.
Por isso, no tempo em que o Sermão da Montanha foi proclamado por Jesus, não havia dúvidas: ser o Sal da Terra só poderia ser uma coisa boa. Mas hoje somos chamados a pensar em que tipo de sal nós somos.
Recentemente as modas das dietas promoveram um certo sal rosa, do Himalaia, considerado mais saudável e saboroso que o sal refinado que utilizamos. Depois surgiram denúncias de que a extração deste sal, cujas minas ficam na verdade no Paquistão, envolveria trabalho escravo, o que levou inclusive a iniciativas de sustentabilidade da indústria.
O sódio presente nas comidas, a moda do sal do Himalaia e a diversidade dos tipos de temperos disponíveis nas gôndolas dos supermercados nos colocam diante de um desafio novo: há vários sais disponíveis, alguns que fazem bem, e outros que fazem mal. Alguns que são produzidos de forma socialmente correta, e outros que sacrificam a vida dos trabalhadores que o extraem.
O mesmo acontece com a vida espiritual na sociedade do espetáculo. No passado o cristão não tinha muita escolha: tinha que participar da paróquia do seu bairro, e viver na linha espiritual ali disponível. No século XVI, por exemplo, durante a reforma protestante, isso significava que a pessoa seria definida como católica ou luterana apenas pela cidade em que nascia ou crescia.
Hoje há tantos movimentos espirituais quanto opções de sal na gôndola do mercado. Você pode ser um católico bastante ativo sem sequer conhecer a paróquia do seu bairro. Pode participar de meditações e catequeses que acontecem pelas redes sociais e pela TV. Há uma diversidade de comunidades, movimentos espirituais, prelazias, pastorais, para os diferentes gostos.
E nem tudo é para o bem. Há movimentos que dividem as famílias, e movimentos que as unem. Comunidades que promovem abuso físico e psicológico, e comunidades que acolhem as vítimas de abuso físico e psicológico. Grupos que tornam seus membros fanáticos, e grupos que curam seus membros do fanatismo.
Por isso, não basta apenas ser o sal da terra. É preciso entender se você é o sal que dá sabor e equilibra os eletrólitos do corpo durante a atividade física ou o sal que entope as veias e causa parada cardíaca e retenção de líquido.
“Ah, mas pessoas boas e ruins estão em todos os lugares”. Sim. Mas há grupos que melhoram as pessoas que a eles aderem, e grupos que as pioram. E esse é o critério fundamental para saber se o caminho espiritual escolhido é saudável ou prejudicial: ele torna as pessoas que o seguem melhores ou piores? As pessoas ali se sentem leves, alegres, acolhidas, ou se sentem perseguidas, cobradas, sob um fardo emocional terrível? O grupo as faz se abrir às outras pessoas, ou a torna alguém que vive fazendo julgamento moral, discriminando e se afastando dos outros?
E muitas vezes isso não fica claro de imediato. A prática do gaslighting dentro das comunidades faz com que as pessoas sintam que o seu sentimento de menos valia é culpa delas, e não do grupo terrível ao qual aderiu. A pessoa fica se esforçando ao máximo para atender às expectativas, para ser sal da terra, mas ao fim do dia ela só é mais uma pessoa humilhada por um grupo abusivo.
Temos que ser o sal da terra, mas nem todo sal faz bem. No Corpo Místico de Cristo que é a Igreja, há sais que estão entupindo as suas veias e o matando pouco a pouco, com seu mau exemplo, com a promoção de ideologias fascistas, com a perseguição aos irmãos na fé, com a acusação de que tudo é marxismo… Não é este sal que Jesus quer que sejamos.
O sal aprazível ao Senhor nosso Deus é aquele que tempera o sabor único do perdão, ao mesmo tempo em que neutraliza os amargos gostos da ganância e do ódio.
(Ps. Se pronuncia corretamente "gôstos" e não "góstos".