Por uma linha pastoral contra a radicalização
Líderes espirituais, inclusive sacerdotes e leigos católicos, precisam assumir a sua responsabilidade com a radicalização e a saúde mental de parcela da sociedade
Este texto está saíndo uma semana depois do festival de violência e insanidade que presenciamos na capital no último domingo. Fruto de anos, quiçá décadas em alguns casos, de pregação ininterrupta dentro de igrejas, católicas e evangélicas, de um discurso voltado à radicalização política.
Já discutimos neste espaço como as comunidades estão tomadas por atitudes de gaslighting. Mas também precisamos tratar aqui da responsabilidade de lideranças, leigos e sacerdotes, com esse ambiente tóxico que domina as igrejas. Se, por um lado, existe a prática de assédio dentro das comunidades, por outro isto tem levado multidões a uma condição de delírio paranoico, na qual acreditam estar envolvido em uma luta espiritual, condição essa que destrói os seus vínculos afetivos e suas vidas.
Por isso hoje abro uma exceção e não faço uma reflexão sobre o evangelho do domingo, mas procuro chamar os líderes cristãos à responsabilidade. Se há pessoas que estão desconectadas da realidade e rompendo laços com suas famílias por acreditarem estar realizando a vontade de Deus, aqueles que pregaram esse evangelho de ódio são responsáveis. E aqueles que deixam isso rolar são moralmente cúmplices.
Diz Jesus no evangelho de Mateus:
“Assim é a vontade de vosso Pai celeste: que não se perca nenhum desses pequeninos” (Mateus 18,14)
Na primeira carta de Paulo a Timóteo, na qual o apóstolo reune orientações pastorais a seu discípuilo e amigo, que liderava a igreja de Éfeso. Entre diversas recomendações práticas, Paulo afirma:
“Quero, pois, que os homens orem em todo o lugar, levantando as mãos puras, superando todo ódio e ressentimento” (1º Timóteo 2,8)
Portanto, é preocupante quando vemos pessoas que são referências para o Povo de Deus promovendo o ódio. Preocupa que mesmo diante de tal demonstração de violência, padres influencers estejam ainda fazendo homilias no YouTube acusando o governo eleito de “prostituta de Satanás” (não vou colocar link aqui para não melhorar a performance deste conteúdo).
Lembro a esses o alerta de Santa Catarina de Sena em uma de suas cartas, destinada aos governantes de Florença:
Desejais reformar vossa cidade. Mas digo-vos que tal desejo jamais será realizado, se não procurardes eliminar o ódio e o rancos dos corações, bem como o egoísmo. Isto é, não deveis pensar só em vós mesmos, mas no bem de toda a cidade.
Esses líderes que promovem o ódio querem fazer parecer que adotam a retórica agressiva de um Jeremias, de um João Batista, mas não estão dispostos a serem lançados no poço, como Jeremias, ou a perderem a cabeça na prisão, como João Batista. Pelo contrário, colocam a vida do seu rebanho em risco, alimentando-lhe o ódio e o ressentimento, dividindo o povo de Deus, e mandando-os diretamente para a prisão.
Há vários autores da área de saúde mental que apontam sinais preocupantes nessa multidão fanatizada e radicalizada. O que essa multidão precisa da Igreja é de ajuda, e não de mais radicalização, mais fanatismo, mais ódio, mais delírio. Elas não precisam comungar com o figado.
Cabe aos bispos, ao Vaticano, e aos leigos em posição de autoridade nas pastorais e movimentos cuidar que essa tendência de ódio seja revertida o mais urgente possível. Que não acabe que no juízo final um bispo, um padre, um coordenador de pastoral ou de movimento tenha que arder no inferno mesmo tendo comungado e confessado a vida toda, apenas por ter sido omisso na perdição das almas de seu rebanho. A Divina Misericórdia perdoará os atos de quem foi conduzido ao erro, mas não aliviará para aqueles que levaram os pobres fiéis ao delírio.
Claro, o alerta acima vale para quem ainda tem um pouco de consciência moral. Aos que já optaram por priorizar o seu projeto político em detrimento da dignidade de seu rebanho, só resta mesmo a prisão civil, e todas as penas que o Estado Democrático de Direito lhe reserve.
Esses influencers malucos hão de prestar contas dos seus atos já aqui na Terra e, muito mais, perante a Eternidade. Cristo perdoa os homicidas, os ladrões, os adúlteros... Mas Ele mesmo não quis conversa e se utilizou de força física contra os cambistas e agiotas de almas. O Topa Tudo por Dinheiro terá um preço muito salgado para esses insanos.